É perda de tempo, a esta altura, discutir se o Maranhão é um caso
extremo do conhecido pesadelo prisional do País ou se o terror que se
abateu sobre São Luís na semana passada - quando, cumprindo ordens
vindas do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, na periferia da capital,
bandidos incendiaram um ônibus, matando uma menina de 6 anos - poderia
ter atingido, ou poderá atingir a qualquer momento, outras cidades que
concentram grandes contingentes do meio milhão de presos no Brasil,
quase sempre em condições igualmente desumanas.
Basta registrar que o roteiro da tragédia maranhense foi o já visto:
sangrentos conflitos entre gangues pelo controle de cadeias, com mortes a
granel, mobilizam forças policiais para "pacificar", com a costumeira
brutalidade, os cárceres convulsionados; em represália e para fazer
cessar a intervenção, os chefes das facções em confronto mandam destruir
patrimônio e atacar civis, indiscriminadamente; as autoridades
aparentam de tomar medidas reparadoras, anunciando planos que não passam
de variações dos que os precederam e decerto serão tão ineficazes como
aqueles.
Ocioso também é discutir os prós e contras da intervenção federal em
Pedrinhas, que a Procuradoria-Geral da República estaria inclinada a
solicitar. Ela simplesmente não ocorrerá. De um lado, pelas conhecidas
resistências do Judiciário à iniciativa - um pedido do gênero, para o
presídio Urso Branco, em Rondônia, lembra o noticiário, aguarda decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2008. De outro lado, porque não
há a menor hipótese de que a presidente Dilma Rousseff, responsável
última pelo ato, intervirá em algum Estado, por que motivo for, neste
ano eleitoral - e ainda por cima no feudo do oligarca José Sarney, com
quem o antecessor de Dilma se amancebou politicamente para carrear ao
Planalto o apoio do PMDB.
O que não se pode deixar de ressaltar, isso sim, é o despreparo
absoluto da governadora maranhense, Roseana Sarney, para entender e
lidar com a crise cujo combate é sua responsabilidade objetiva. Por
sinal, ela só invocou essa condição no único momento em que se exaltou
na entrevista que só na quinta-feira ela se dignou conceder, ao lado do
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Ele havia sido despachado a
São Luís para que não se dissesse que a chefe, a presidente da
República, se omitia diante da tragédia e deixava a aliada à mercê de
sua incompetência.
Quando uma repórter perguntou ao ministro se o silêncio de Dilma se
devia à sua preocupação em não arranhar as relações do governo com o
PMDB e a família Sarney, Roseana o livrou da enrascada para livrar o seu
clã. "Isso não existe como família", se pôs a desmentir o óbvio, de
cara fechada e indicadores erguidos. "Eu sou a governadora. Se tiverem
de penalizar alguém, eu sou a responsável." Note-se, então, com que
mentalidade ela responde pela situação. Declarou-se "chocada" com o
"inexplicável" número de mortos - 62 - no interior do presídio desde
2013. No ano anterior foram 4. Até setembro passado, eram já 39 - o que,
pasme-se, "estava dentro do limite que se esperava".
Trinta e nove homicídios em nove meses não seriam, pois, uma
aberração. Os criminosos como que cumpriram a cota com que a governadora
já contava. Até aí, em suma, tudo normal. Se a essa macabra
contabilidade não se tivessem acrescentados desde então outros 23 corpos
- vários decapitados -, a vida seguiria tranquila no Palácio dos Leões,
a sede do governo, em meio a finas iguarias como aquelas descritas em
dois recentes editais de licitação (um, cancelado) para abastecer as
despensas e a adega palacianas - lagostas, caviar, champanhe, vinhos "de
primeira qualidade" e scotch 12 anos.
É, o Maranhão vai bem - "um Estado que está se desenvolvendo, que
está crescendo", comemorou Roseana na coletiva, antes de emendar: "E um
dos problemas que está (sic) piorando a segurança é que nosso Estado
está mais rico, mais populoso também". Em breve, de toda maneira, os
crimes e castigos no Estado deixarão de ser de sua alçada. Em abril, ela
renunciará para disputar uma vaga no Senado e garantir o lugar da
família no Congresso. Foi uma decisão do pai.